"Morávamos no Canadá e fizemos no natal uma viagem de carro de Ottawa até Quebec City que foi infernal (apesar do frio glacial!). Meu marido, eu, nosso filhinho com um ano e oito meses e um casal de amigos brasileiros, que eram donos do carro. Primeiro erro que nunca mais repetimos: viajar com amigos que não conhecemos muito bem num carro só. Roubada terrível. Mas o dinheiro era curto, a vontade de passear era grande... Arriscamos. Na época, não existia internet e fizemos a reserva do hotel por telefone. Evidentemente não nos contaram toda a verdade...
O hotel gelado da família tailandesa
O hotel era pequeno, uma casa antiga de três andares que na foto da revista parecia maravilhosa e aconchegante. Não era. E nem parecia muito limpa. Mas já tínhamos pago. No térreo funcionava um restaurante de comida tailandesa - os donos eram da Tailândia, nem um pouco simpáticos, e eu desconfiei que dormiam todos na cozinha (o casal e suas três filhas) pra alugar os quartos dos andares superiores. Nos deram um quarto imenso, com duas camas de casal, que o aquecimento não conseguia tornar confortável. Dormíamos com casacos, meias e gorros na cabeça, e ainda tremíamos de frio. Lá fora fazia - 47ºC, imagine!
A confusão para passear
No inverno os dias são curtos. É preciso organização para fazer passeios aproveitando a luz do sol, porque às 16h escurece. Descobrimos tarde que nosso amigo era muito lento. Para sair da cama e se aprontar levava uma eternidade, e isso nos exasperava - mas nada podíamos fazer, porque dependíamos do carro dele. O frio era tanto que não dava pra sair a pé só nós três. Ele e a mulher viviam brigando por coisinhas, o que não contribuía para melhorar nossas já precárias circunstâncias. Quando finalmente conseguíamos sair do hotel perdíamos mais uma hora desenterrando o carro da neve, porque a "garagem" não tinha cobertura pra todos os hóspedes e toda manhã era aquela mesma rotina: encontrar o carro, retirar com pás a neve de perto das portas e pneus, raspar vidros, ligar, aquecer, para só então começar os passeios.
Banho, para quê?
Nosso banheiro ficava bem em cima da cozinha do hotel. Uma noite, o tailandês ligou para o nosso quarto furioso, pois tomávamos banho com muita frequência e insinuou que isso era hábito besta de gente subdesenvolvida rque (pelo menos foi o que entendi do “inglês oriental”). E foi assim que descobrimos que cada banho nosso era uma chuveirada em quem estivesse na cozinha. Quase passei a tomar banho vestida, com medo de a estrutura da casa não aguentar e eu acabar pelada, dentro da banheira, em cima do fogão - sendo esculachada por aquele pessoal mal encarado.
Lavagem grátis
Passeando, enchemos o tanque do carro e "ganhamos" uma lavagem. Santa ignorância, Batman! Minutos depois, o limpador do para-brisas quebrou, congelado. Voltamos para o hotel com os vidros abertos e as cabeças para o lado de fora, para conseguir ver a estrada, naquele frio de congelar, e nosso bebê berrando de desconforto no banco traseiro. Dia seguinte, perdemos o dia procurando uma oficina pra consertar a porcaria do limpador e tivemos que rachar mais essa despesa.
Uma pedra no caminho. Ou um buraco
Na viagem de volta, perdemos por alguns metros a entrada de um posto de gasolina e, embora a estrada estivesse vazia, nosso amigo saiu para o acostamento tencionando dar marcha à ré. Como tudo estava coberto de neve, fomos impedidos de ver que não havia acostamento nenhum - só uma vala de um metro e meio de profundidade. O carro tombou no buraco, foi um susto tremendo, caímos todos um por cima dos outros, nosso bebê gritando aterrorizado, a mulher dele tendo um ataque histérico de raiva e eu um ataque de riso (sempre me acontece isso quando o azar é demais ou em situações muito tristes), o que deixou a moça ainda mais danada... Quase que eu apanhei aquele dia. Tivemos que sair do carro pela porta do motorista, aberta pro alto, feito um submarino, eu às gargalhadas sem forças pra levantar meu filho e entregá-lo pro meu marido já do lado de fora. E pior: tivemos que pagar um guincho pra tirar o carro da vala e ainda aguentar as piadas do pessoal do posto de gasolina. Hoje, quando lembro, não consigo parar de rir, mas no "calor (ou frio) dos acontecimentos" não foi fácil, não. Nosso casamento e nosso bebê sobreviveram, mas a amizade com esse casal ficou abalada e derreteu com o fim do inverno".
(Silvia Dutra - Fort Lauderdale - USA).
0 comentários:
Postar um comentário